Quando me deram a missão de fazer posts especiais para comemorar esse um ano de blog, eu já sabia que um deles teria que ser com ela e vocês vão entender o por que em cada pedacinho dessa entrevista que eu fiz com muito carinho. Assim que eu a convidei, ela topou na hora e dividiu com a gente um pouco mais de tudo o que tem vivido e transmitido com seu cantinho aqui na blogosfera. Deixo aqui meu agradecimento à ela e garanto que, assim como eu amei ter esse papo, vocês também irão se inspirar muito.
Thayla Fernanda Fitz Becalhi tem 25 anos, mora em Borrazópolis-interior do PR, é formada em Administração, se tornou cadeirante há 6 anos e fez de sua história uma verdadeira motivação, não só para ela, mas para todos que a conhecem. Nesses últimos anos ela teve que enfrentar dificuldades, já participou de competições de natação (aliás, foi medalha de ouro) e há 3 meses criou um blog, Sapatilha Sobre Rodas, para contar um pouquinho mais de como tem sido desde que começou toda essa mudança na vida dela e de vários outros amigos que colaboram com o blog, compartilhando suas experiências.
Conta pra gente um pouquinho de como começou toda essa mudança na sua vida.
Thayla: Meu acidente aconteceu no dia 8 de dezembro de 2009, era a noite, tava eu e meu irmão, ele estava dirigindo e eu estava de passageiro, aconteceu o capotamento. Primeiro eu fui para o Providência em Apucarana, onde eu fiquei dois dias e os médicos falavam que eu não ia sobreviver, logo em seguida eles começaram a ir atrás de outros médicos pra procurar ajuda. Na verdade eu não me lembro dessa época de hospital, porque eu fiquei no Providência e depois fui para Londrina totalmente em coma, eu não me lembro de nada do que aconteceu, mas eu usei traqueostomia, tive trauma pulmonar, fiquei totalmente ligada à aparelhos, eu usei respirador, fui entubada, então eu não me recordo certinho, mas no meu primeiro post tem explicando como foi (esse post aqui). Eu tinha muito pesadelo quando estava na UTI e tudo parecia muito real, então foi complicado. Quando eu recebi minha primeira cadeira de rodas eu não sabia o que estava acontecendo na verdade, porque você acha que vai sair de lá bem, você não sabe o que está acontecendo, fica meio perdida. Foi uma experiência para os meus pais, para mim e para os meus amigos
Como foi para a sua família e amigos lidar com a situação? Você percebeu o afastamento de algumas pessoas ou isso fez com que estivessem mais ainda do seu lado te apoiando?
Thayla: Minha família e meus amigos na verdade tiveram que ir conhecendo minha situação, principalmente minha mãe, porque é ela quem cuidava de mim, sempre cuidou, então eles tiveram que se adaptar a mim também, e eu à eles. Mas é com cuidado, então a gente vai aprendendo, tudo com jeitinho dá certo, até hoje, a gente vai se descobrindo a cada dia né, porque a lesão medular é uma incógnita. Eu acho que muitos se afastam e muitos se aproximam. Com certeza muitas pessoas foram embora, mas muitas chegaram também pra poder participar dessa minha situação. Eu acho que isso acontece na vida de todo mundo, a cada fase a gente encontra pessoas diferentes na nossa vida, então eu encarei dessa forma.
E a adaptação, como foi o processo?
Thayla: Antes do acidente eu trabalhava no banco, logo em seguida eu não trabalhei mais, mas antes do acidente eu já cursava Administração. Depois eu fiquei 2 anos parada só em tratamento no Sarah Kubitschek que é o hospital de reabilitação, em Brasília. Também fui em Curitiba no Ana Carolina Moura Xavier, então eu fiquei dois anos só em função de médico pra gente conhecer sobre o assunto. E no Sarah eu ficava indo a cada três meses, ficava internada durante um período para melhorar movimentos, adaptação, terapia ocupacional. Esses meus primeiros dois anos foram assim, só viajando para Brasília e Curitiba para a reabilitação.
Você acha que as pessoas ainda têm muito preconceito? Já passou por alguma situação assim?
Thayla: Sim, já sofri muito preconceito, porque na verdade as pessoas não estão acostumadas com a situação da lesão medular. Às vezes elas olham pra gente e ficam com receio de chegar, de conversar, às vezes as pessoas pensam assim “Nossa, será que ela fala?”. Na verdade, quando eu sofri o acidente eu estava bem debilitada, então as pessoas olhavam pra mim e não conversavam comigo, conversavam com a minha mãe ou com alguém que estava próximo à mim pensando que eu não falava ou que eu ia achar ruim. Uma forma de preconceito também é que quando aconteceu o acidente muitas pessoas não foram me visitar, ou não foram me ver, porque diziam que não aguentavam me ver daquele jeito. Realmente, porque eu estava bem debilitada, mas eu acho que quando a pessoa gosta mesmo de você, independente, uma amizade, na família, relacionamento, se a pessoa tem um sentimento de carinho o sentimento não muda, independente da forma que você está.
Há alguns anos atrás via você postando fotos treinando para competições, como surgiu a oportunidade e como foi passar por essa experiência? Você ainda treina?
Thayla: Eu comecei a hidroterapia no meu primeiro ano de lesão, na verdade a água foi essencial pra soltar meus braços, me deu uma ajuda essencial na força, coordenação. A natação eu fiquei treinando por 2 anos e participando de competições regionais, todas as competições eu ganhei em primeiro lugar, medalha de ouro (riso). Mas na verdade a gente tem que treinar muito, a gente tem um tempo estipulado pra ganhar essa competição, fazer um tempo mínimo, então esse tempo mínimo era muito difícil pra mim, porque de tanto treinar a natação e o nado de costa eu acabei tendo uma tendinite no meu braço, na verdade eu teria que fortalecer mais pra competir e ganhar velocidade, foi onde eu parei com a natação. Tem um ano que eu parei e eu sinto muita saudade da água, mas primeiro eu tenho que recuperar força, fazendo musculação, fisioterapia pra eu conseguir voltar a nadar.
Depois do acidente você chegou a voltar para a faculdade e se formou em Administração, certo? Como foi esse retorno?
Thayla: O Sarah me incentivou a voltar pra faculdade, então deu bastante incentivo nessa parte de estudo, trabalho, voltar pro meu dia a dia. E quando eu resolvi voltar a estudar o João (irmão da Thayla) me apoiou bastante. Era ele quem me levava, porque eu precisava de alguém, então ele me ajudou muito, mas a faculdade foi maravilhosa, porque eu falo que a gente ganha muitas amizades, histórias que a gente vai levar pro resto da vida, o aprendizado e tudo mais, mas confesso que eu tive medo sim, qualquer situação que a gente não tá acostumado a gente tem que se adaptar, eu tive que me adaptar à faculdade, então a faculdade também me deu bastante apoio no que eu precisei e quando não dava certo eu sempre dava sugestões, uma adaptaçãozinha, alguma dúvida, mas eles sempre me apoiaram. Foi muito gostoso, valeu a pena.
Da onde surgiu a ideia de criar o blog falando sobre o assunto?
Thayla: Lá no Sarah eu tinha uma fisioterapeuta muito querida chamada Iara, toda vez que eu ia lá, ela fazia um desfile de moda com todos os cadeirantes que estavam internados, eu conseguia me maquiar e ela pedia pra eu ensinar as outras tetras a se maquiarem, aí minha fisioterapeuta falou “Thayla, por que você não faz um blog? A gente conta a história de várias meninas, várias pessoas e você já gosta de ver assuntos de moda, beleza…”. Antes do acidente eu tirava bastante foto, fiz curso de modelo, então pra isso elas falaram “Faz um blog contando sua história, porque nem sempre as pessoas sabem o que aconteceu com você” Aí eu fiquei pensando “Será que eu vou ter coragem de fazer esse blog?” (risos), mas com a faculdade, todo o tempo de reabilitação e exercícios eu fui deixando. Quando eu terminei a faculdade eu falei “Não, eu vou fazer, porque eu tenho certeza que vai ajudar muita gente”, assuntos que as pessoas não têm acesso, porque muitos cadeirantes ainda não têm a possibilidade de poder fazer um tratamento, então é bom eu passar o que eu faço, claro que não é uma cura, mas um incentivo, um apoio, uma palavra amiga, uma terapia, um exercício que dá pra fazer em casa, então o blog é pra compartilhar experiências. Não só a minha, mas de vários cadeirantes. E com o tempo a gente vai melhorando pra colocar sempre novas informações.
Eu acompanho seu blog e percebo que mesmo nas maiores dificuldades você sempre passa muita fé e pensamento positivo, você sempre encarou dessa forma ou algo te fez acreditar e viver de um jeito mais motivado?
Thayla: Olha, o meu acidente foi dia 8 dezembro, no dia de Nossa Senhora Imaculada Conceição e me agarrei muito à ela. Eu acredito que eu sou um milagre, eu estou viva até hoje por Deus mesmo, porque os médicos não me davam nenhum tipo de chance e nem expectativas e hoje eu estou aqui. Não é fácil, a gente questiona às vezes, mas a gente tem que colocar Deus na frente de tudo, pra gente viver bem. Às vezes a gente não entende o por que de tudo isso, mas com certeza tem um propósito e a gente tem que viver da melhor forma possível, porque se você acaba não aceitando, eu acho que é pior, quem vai sofrer é a própria pessoa.
Li um post sobre falsa inclusão, onde você acha que as pessoas ainda “pecam” mais? O que pensa ser necessário para uma melhora, além da conscientização das pessoas?
Thayla: Em questão à deficiente físico, todos os aparelhos, cadeira de roda, qualquer tipo de tratamento, é tudo muito caro, não é todo mundo que tem condição de pagar, então muitos dependem do SUS, um convênio ou às vezes nem faz nada. Não pode fazer uma fisioterapia e acaba ficando largado. Isso é uma coisa que a gente tem que mudar, porque acho que os preços deveriam ser mais acessíveis pra todos terem esse direito de se cuidar. Já tinha que ter algum programa de reabilitação, não é uma questão de “vou fazer para ficar bonito”, é uma questão de prioridade, a pessoa tem que fazer, ela depende daquilo pra sobreviver. De uma fisioterapia, uma prótese, uma cadeira de roda, uma perna mecânica. Isso faria diferença.
Recentemente foi lançada a adaptação do livro “Como eu era antes de você” para o cinema, você assistiu o filme? O que achou da história, acredita que conseguiu passar a verdade de como é viver com essa limitação?
Thayla: Eu assisti e chorei no final, não vou mentir pra você. Mas eu achei lindo, o filme foi lindo em todo momento, foi engraçado e contou sim a realidade do cadeirante. Na minha história como tetraplégica eu tenho o movimento dos braços, mas eu sinto muita dor, dor constante e frio. Cada lesão é uma lesão, e acho que quando a lesão é total e não tem o movimento de nada é mais difícil. Ele vivia no hospital por conta de infecção, isso é uma realidade, aquele suor que ele tinha, quando a pessoa tem dor ou sente algo desconfortável. Então são coisas simples, mas que é o nosso dia a dia, isso acontece na lesão medular. Claro que como o filme a gente não pode mostrar que isso é uma coisa normal (o suicídio assistido), eu não acho que isso é uma coisa normal, eu acho que a pessoa tem que lutar até o fim, independente da situação que está. O blog é pra isso, pra incentivar as pessoas a viverem da melhor forma possível e não se retrair, mas nem sempre é fácil, porque muitos julgam, muitas vezes as outras pessoas não estão em condições pra receber aquela outra que vem de uma forma diferente, o tratamento é diferente, isso tem que mudar, porque isso tudo envolve o psicológico, então envolve muita coisa.
Você gostaria de dizer alguma coisa para quem possa estar passando por uma história igual ou parecida com a sua?
Thayla: Sim, eu quero espalhar muita coisa do blog ainda, quero contar muita história, então eu peço que se alguém souber de histórias e que possam ser contadas no blog, eu quero que me enviem. Se vocês puderem passar pra outras pessoas que vocês conhecem e estão dispostas à ajudar, porque é um blog colaborativo. A gente tem que espalhar essas histórias no mundo, porque infelizmente ainda tem muitos que não saem de casa, ficam trancados, por depressão ou por vergonha de estar na cadeira. E isso tem que acabar, porque o olhar tem que ser igual para todos. A gente merece respeito, as pessoas têm que saber lidar com essa situação, porque infelizmente o nosso Brasil não está adaptado aos deficientes físicos. Então as vezes não saem até por ser difícil a locomoção. Ajudar o próximo pode ajudar as pessoas a socializarem.
Thayla, eu e toda a equipe de blogueiros do 7seasons desejamos à você muito sucesso, na vida e no blog!
(A imagem em destaque é por Edson Satoshi)
Beeeijos e até semana que vem! ❤
Nayara Rosolen
Amei o post e a entrevista Nay!! É uma linda história de superação e motivação que com certeza devemos nos inspirar ❤️
Beijinhos!!
CurtirCurtido por 1 pessoa
Muito obrigada, Naat!! Fico feliz que tenha gostado ❤
Beeeijos
CurtirCurtido por 1 pessoa
Amei a matéria! Bem inspiradora mesmo! 🕊😁💓
CurtirCurtido por 1 pessoa
Oi, JP!! Demais né?? Fico feliz que tenha gostado, muito obrigada!!! ❤
Beeeijos
CurtirCurtir
Ótima entrevista e linda história e Nay como sempre nota mil. 😀
CurtirCurtido por 1 pessoa
Vivi, sua linda, muito obrigada!!! ❤️
Beeeijos
CurtirCurtido por 1 pessoa
😀 😀 😀
CurtirCurtido por 1 pessoa
Republicou isso em Sapatilha sobre rodas.
CurtirCurtir
Essa guerreira é minha amada sobrinha. Através da Tayla que me serve de exemplo o tempo todo. Na época do acidente eu estava passando por um tratamento.Acabara de descobrir que estava com câncer no estômago por isso não parcipei do acontecido como gostaria.Queria estar presente junto da minha irmã ILZA e do meu afilhado João Luis . Preocupados comigo minha família me deixou fora dos acontecimentos. Quando soube sofri muito devido a minha impossibilidade de estar junto da Tayla.E o meu tratamento, a recuperação tomava o meu tempo. Dois anos depois tive outro câncer no intestino, retiraram o intestino grosso. E foi nessa minha guerreira que me espelhava.Eu te amo tanto Tayla . Comecei a orar e pedir a Jesus e agradecer por estes dois milagres vivos em nossa família .
CurtirCurtir